“Desde o começo da nacionalidade andou Portugal ligado à poesia lírica, corrente de manancial cristalino e riquíssimo que através dos séculos não cessou de fazer ouvir a sua voz e esta, muito mais que a das sereias do mito, para sempre encanta e prende ao seu sortilégio quem a escuta e tem alma para a sentir.
A cada passo, no desenrolar da nossa literatura, interpenetram-se a poesia culta e a popular. É visível que a frescura de composições do povo fez o encanto de muitas cantigas de amigo, de versos de Bernardim Ribeiro e de Cristóvão Falcão, de passos de Gil Vicente, de redondilhas de Camões, prolongando-se pelo tempo fora, com especial relevo do século XIX, até os nossos poetas da atualidade. Em contrapartida, trovas de poetas conhecidos chegam à boca do povo que as adopta, as canta, inconscientemente as modifica por vezes e, finalmente já anónimas, caem dentro do tesouro colectivo, folclorizadas e irmanadas com as que surgiram nascidas do povo, sempre em contínua elaboração poética.
Entre os inúmeros assuntos das composições que formam o cancioneiro popular português, avultam sobretudo as que versam os temas tradicionais na literatura portuguesa desde a época dos Cancioneiros medievais - cantigas amorosas, religiosas e satíricas – e ainda as cantigas da natureza, as do trabalho e as referentes à vida quotidiana. Numa frase felicíssima, definiu Alves Redol o conteúdo geral do cancioneiro popular português: «A vida do povo cantada pelo povo.»”
Maria Arminda Zaluar Nunes,
O Cancioneiro Popular em Portugal,
Instituto de Cultura Portuguesa, Lisboa, 1978.