“Há entre os habitantes do concelho de Serpa a seguinte crença: quando qualquer pessoa morre, a alma separa-se imediatamente do corpo e banha-se em toda a água que encontra em casa do finado e nas habitações que lhe ficam mais próximas. Daqui o preceito da família do morto mandar ato contínuo despejar o pote da água, as quartas, etc. a fim de ninguém se servir d'essa água, considerada impura.
Em abono do que acabo de referir, vem a pelo narrar um caso que se me deparou no exercício da minha profissão clínica : um dia, há aproximadamente dois anos, indo visitar um doente, sua mulher, ainda nova, M. C, natural de Serpa, queixou-se-me de náuseas e vómitos, dizendo que atribuía este mal-estar a um nojo que contraíra desde há pouco tempo. Dera-se o seguinte facto : falecera o avô da doente, e esta tendo em seguida um ataque nervoso, em que perdera os sentidos, trouxeram-lhe uma púcara de água tirada das quartas. Sabendo depois que havia bebido da mesma água, onde julgava ter-se lavado a alma do avô, foi tomada do nojo acima citado.
Estas náuseas e estes vómitos podiam, todavia, explicar-se d'outra forma que não a do simples nojo, pois que M. C. se achava no seu estado interessante.”
Ladislau Piçarra,
A Tradição, Serpa, 1899, pág. 15.